Contratos Inteligentes (Smart Contracts) e Validade Jurídica no Brasil

Smart contracts são códigos executáveis em blockchain que automatizam contratos, são válidos legalmente, mas exigem cuidados na aplicação.
Contratos Inteligentes (Smart Contracts) e Validade Jurídica no Brasil

Nos últimos anos, com o crescimento do uso da tecnologia blockchain ao redor do mundo, as diversas aplicações desse protocolo, que vão muito além das criptomoedas como Bitcoin e Tether (USDT) estão também sendo visadas pelo mercado.

            Dentre elas, os contratos inteligentes, do termo em inglês “smart contracts”, se mostram como uma solução para a execução automática de termos contratuais firmados entre as partes, de forma a facilitar o cumprimento das cláusulas e também prevenir falhas no atingimento do objeto do instrumento.

            Porém, juntamente a isso, surge o questionamento sobre a validade jurídica desse tipo de contrato, que, conforme veremos a seguir, trata-se, em realidade, de um código computacional inserido em uma blockchain e que pode abarcar muito mais do que simples disposições contratuais.

            Para começarmos o debate, importa trazer a definição de smart contract. Segundo Bashir[1], o smart contract é definido como  um programa descentralizado, que é inserido e executado dentro de uma blockchain, automatizando a execução de um contrato quando determinadas condições são atendidas. Essa automação aumenta a confiança, a eficiência e a transparência nas transações

A nomenclatura smart contracts foi proposta pelo jurista e programador estadunidense Nick Szabo em 1994, com o objetivo de permitir a transferência de valores, inclusive de forma automatizada, com base em um registro de consenso descentralizado em uma rede. Os smart contracts são, portanto, contratos autoexecutáveis que dependem de consenso da rede, sendo à prova de falsificação e com execução automática[2].

Uhdre[3] destaca que os smart contracts podem ser utilizados para a codificar e automatizar processos de negócios, permitindo que sejam compartilhados e executados por várias partes.  Isso aumenta a confiança e a eficiência dos procedimentos.

Com base nas conceituações acima, depreende-se que o smart contract, em realidade, é uma ferramenta a ser usada para assegurar a execução contratual, diferenciando-se completamente de um contrato eletrônico, que é um contrato escrito em linguagem humana, mas que circula online. Porém, em razão do uso de linguagem de programação, deve possuir apenas comandos simples, não podendo abranger toda a complexidade e acordo de vontades contido dentro de um contrato tradicional.

Dessa forma, parte-se para a averiguação da validade jurídica dessas disposições automatizadas em código. Quanto ao ponto, cumpre trazer importante disposição prevista no Código Civil Brasileiro, mais especificamente em seu artigo 107: “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

É dizer, portanto, que a declaração de vontade feita pelos contratantes será regida pelos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva, ambos consagrados no texto constitucional e no referido código civilista, de forma que só será exigida uma forma específica quando a lei assim dispuser, como, por exemplo, no caso de contratos que versam sobre direitos reais incidentes sobre bens imóveis com valor acima de 30 salários mínimos, que demanda uma escritura pública para sua validação.

Portanto, salvo casos que exigem forma de contratação específica, depreende-se que inexiste vedação expressa ao uso de smart contracts para firmar a declaração de vontade dos contratantes, sendo uma opção para aqueles que desejam facilitar e automatizar a execução contratual.

Entretanto, embora seu uso seja permitido, existem diversos pontos que devem ser avaliados por aqueles que têm interesse em adotar essa ferramenta tecnológica. Além do que fora apontado anteriormente, isto é, o fato de que o smart contract apenas conterá linguagem em código simplificada, não podendo conter as intenções por trás do contrato (usualmente inseridas nos “considerandos” da minuta), os smart contracts, por estarem inseridos em uma blockchain, não podem ter seu conteúdo alterado, visto que tudo que é inserido na rede lá permanece de forma definitiva. Ademais, não há clareza sobre a responsabilidade de eventuais bugs na execução do smart contract.

            Em suma, conclui-se que os smart contracts podem ser considerados como uma ferramenta que executa termos contratuais e que não possui vedação legal, porém, aqueles que a utilizam devem estar cientes de suas implicações e também verificar a possibilidade de unir o smart contract a um contrato tradicional para que sua interpretação e execução ocorra de acordo com a vontade das partes e não de forma fria, executada por um programa de computador.


[1] BASHIR, Imran. Mastering Blockchain. Birmingham, Inglaterra: Packt Publishing Ltd., 2017, p. 23.

[2] CONG, L.; ZHIGO, He. Blockchain Disruption and Smart Contracts. In: Social Science Reasearch Network, 2018, p. 51. Disponível em:  <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2985764> Acesso em 25 jun. 2024.

[3] UHDRE, Dayana de Carvalho. Blockchain, tokens e criptomoedas: análise jurídica. São Paulo: Almedina, 2021.

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